Reforma orçamentária é a bola da vez
O IPCA alcançou a marca dos 2.477% em 1989. Em 1995, 2002 e 2021, esse índice foi de 22%, 13% e 10%, respectivamente. Em 2024, completados 30 anos do Plano Real, deve atingir 4%. Conquanto a inflação tenha tido trajetória descendente e se mantido em patamar palatável (ainda que acima de países pares), o Brasil precisa urgentemente de uma reforma orçamentária.
A Constituição Federal de 1988 instituiu diversas despesas obrigatórias atreladas a certas fontes de receitas, criando “feudos orçamentários”. Soma-se a essa realidade os elevados gastos tributários e subsídios às empresas. Hoje, R$ 650 bilhões do Orçamento federal são capturados por interesses privados em detrimento ao bem coletivo. Sem fazer juízo dessas políticas, o fato é que o Orçamento foi se engessando e tornando o chefe do Executivo num mero carimbador de despesas obrigatórias.
A situação é periclitante. Somente 10% do Orçamento pode ser direcionado a despesas discricionárias e, até 2032, 100% destas terão destino pré-determinado. O mesmo ocorre com os entes subnacionais. Assim, por que eleger um chefe do Executivo se ele não terá condições de implementar seu plano de governo?
Dito isso, e apesar dos avanços institucionais desde 1986, com a extinção da conta movimento, aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal etc., hoje dificilmente o Congresso aprovaria aumentos da já elevada carga tributária (33% do PIB). Por sua vez, a dívida com relação ao PIB está alta (77% do PIB) e é crescente, o que inviabiliza que os juros cedam, afetando negativamente os investimentos. Não resta dúvida, assim, de que é necessário rever os gastos públicos, dado que permitir que a inflação suba não é uma opção.
Foi nos anos 1990 que houve relevante ajuste fiscal, em particular para os subnacionais, que se financiavam por meio de bancos públicos locais. Hoje o problema desses bancos, com poucas exceções, relaciona-se ao fluxo de caixa (devido à rigidez orçamentária) e não mais ao estoque da dívida. O Plano Real, destarte, focado em estabilizar a moeda e não em lidar com temas de crescimento e desenvolvimento, endereçou parte da questão fiscal. Dadas as restrições legais da ocasião, tal ajuste foi o possível, não o ideal.
Para lidar com o que falta, há que se voltar à agenda de reformas estruturais. Muito se fala, e com razão, nas relevantes reforma administrativa e nova reforma previdenciária, mas pouco se observa a imprescindível reforma orçamentária.
Não se trata somente de modificar ou extinguir leis (Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual) e inserir uma nova sobre avaliação anual de gastos, mas em desindexar, desvincular e acabar com os “feudos orçamentários”, permitindo que mais de 50% do mesmo possa ser direcionado para as despesas discricionárias relativas ao plano do candidato eleito.
O presidente FHC dizia que não se deve perder uma crise para se fazer uma boa reforma estrutural e que a arte do convencimento faz parte do processo democrático. A pergunta é se alguém precisa ser convencido de que o país precisa de uma reforma orçamentária.
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