Para onde vai o dólar em 2025? Analistas respondem
Depois de um período de turbulência que levou a cotação do dólar a R$ 6,30 no pior momento na semana passada, economistas já revisam suas projeções para a cotação da moeda americana no próximo ano. Com as perspectivas para a economia global no governo de Donald Trump nos Estados Unidos e principalmente com um impacto do pacote fiscal aquém do esperado no Brasil, eles avaliam que a divisa no patamar de R$ 6 não deve sair de cena no curto prazo.
A aprovação do pacote fiscal no Congresso na semana passada não foi suficiente para mudar o humor dos investidores, ao contrário. Nesta segunda- feira, o dólar bateu R$ 6,17. O conjunto de medidas anunciado pelo governo já havia sido recebido com ceticismo, especialmente por ter sido apresentado junto com a proposta de isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil.
Mas as alterações feitas no texto durante a tramitação reduziram o fôlego das ações para conter gastos. Nos cálculos iniciais do governo, o pacote de contenção de gastos reduziria despesas em R$ 71,9 bilhões em um horizonte de dois anos.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chegou a afirmar que o impacto das mudanças seria de R$ 1 bilhão e não afetaria a ordem de grandeza. Pouco depois, a Fazenda refez as contas e estimou o efeito em R$ 2,1 bilhões, o que levaria o pacote a uma economia de R$ 69,8 bilhões.
Nos cálculos do mercado financeiro, porém, a redução das despesas será muito mais tímida do que o governo estima. As projeções indicam economia de R$ 42 bilhões a R$ 55 bilhões em dois anos.
Some-se a isso a percepção de que o governo estará mais focado em construir apoio para a eleição de 2026 do que em medidas adicionais de ajuste fiscal e está dada a receita de piora do humor. A janela de oportunidade para novas ações de ajuste seria o começo do próximo ano, antes que o calendário eleitoral se sobreponha ao cenário macroeconômico.
O problema é que, na avaliação de economistas, a escalada do dólar para esse novo patamar deve contaminar as projeções de inflação, forçar aumentos da taxa básica de juros ainda mais fortes — o boletim Focus desta segunda aponta para Selic a 14,75% em 2025 — afetar a trajetória de crescimento da economia e os investimentos das empresas.
Veja o que os analistas esperam para o comportamento do câmbio no próximo ano:
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados
Apesar da intervenção histórica do Banco Central (BC) em termos de volume e frequência de ajustes, Vale considera que o câmbio tende a ficar estacionado em um patamar elevado e dificilmente ficará abaixo de R$ 6 nos próximos meses.
— Tem uma percepção de que o jogo virou para pior na economia brasileira, e o governo só conseguiria mudar isso se efetivamente fizesse um pacote fiscal totalmente diferente — diz Vale, que enxerga pouco espaço para novas medidas expressivas de ajuste fiscal no terceiro ano de mandato do presidente Lula, num período mais próximo das eleições.
A tendência é que a alta da moeda americana pese sobre a inflação em 2025, o que deve levar o indicador até o teto da meta de 4,5%. No entanto, se o dólar subir ainda mais, a alta dos preços poderá ser ainda maior no ano que vem, avalia.
Ele calcula que o ajuste fiscal do governo fique entre R$ 42 bilhões e R$ 52 bilhões após a desidratação pelo Congresso, uma economia aquém da necessária para cumprir as metas previstas no arcabouço fiscal, especialmente em 2026, ano eleitoral, quando a pressão por gastos será ainda maior.
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O dólar mais alto também afeta a dívida de forma indireta, ao elevar a inflação e, consequentemente, os juros. Isso encarece o serviço da dívida, explica o economista:
— A relação dívida/PIB deve ficar em torno de 77% este ano e caminha para 84% em 2026. Um aumento de 12 pontos percentuais em quatro anos sem choques externos como recessão, pandemia não faz sentido do ponto de vista econômico.
Ele continua:
— O governo insiste que equilibrar o déficit fiscal é suficiente, mas essa abordagem é precária e ignora parte fundamental da política fiscal. Enquanto isso continuar, a dívida vai continuar subindo, e os problemas fiscais só vão se acumular.
Pedro Paulo Silveira, economista e sócio da A3S Investimentos
A perspectiva de um dólar a R$ 6, ou ligeiramente acima disso, ganha força entre os agentes do mercado financeiro à medida que a moeda se valoriza e não retoma patamares anteriores, diz Silveira.
Ele avalia que a divisa só poderia voltar aos níveis de R$ 5,50 ou R$ 5,60 no caso de um ajuste fiscal mais robusto e o equilíbrio da relação dívida/PIB. No entanto, como o governo não consegue se comprometer com um ajuste de maior magnitude, a probabilidade é que o dólar a R$ 6 se mantenha por mais tempo:
— Sem que a gente veja essa relação dívida/PIB numa trajetória de reversão da tendência de alta, é pouco provável que a percepção de risco melhore. Ainda mais num ambiente que tende a ser mais agressivo do ponto de vista global, dada a postura prometida por Donald Trump em relação às importações.
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Assim como Vale, Silveira destaca que o dólar mais alto piora as expectativas inflacionárias e aumenta a percepção de risco, fazendo a taxa de juro real (que desconta a inflação) subir, o que se reflete numa relação dívida/PIB maior:
— A taxa de juro real negociada hoje está próxima a 8%. E isso coloca um custo para a dinâmica, que se torna mais explosiva. Se a gente atingir 90% na relação dívida/PIB em 2029, agora a gente poderá ver isso acontecer isso acontecer até antes, em 2027, 2028, seria grave. Na medida em que o dólar piora as expectativas, a taxa de juro real de longo prazo sobe e fica mais difícil reverter a trajetória.
A elevação do dólar acaba piorando as expectativas de inflação para 2025. Silveira explica que os modelos do BC já calculam um impacto de 1,5 a 2 pontos percentuais no IPCA com a valorização de mais de 20% do dólar no ano:
— O mercado vai acabar tendo que trabalhar com número acima de 5% de inflação. Os modelos ainda não colocam isso porque o mercado ainda não está trabalhando com dólar de R$ 6, mas se você colocar uma cotação do dólar a R$ 6,20 nos modelos, com uma atividade econômica no nível de 2%, você vai ter uma inflação superior.
Ele calcula que o governo só conseguirá fazer uma economia de algo próximo a R$ 55 bilhões nos próximos dois anos, e ajustes mais significativos têm sido brecados pelo Congresso, que está com a “faca nos dentes” para impedir qualquer ajuste mais robusto.
— O governo tem uma preocupação muito grande com a eleição de 2026 e , infelizmente, avalia que só se consegue crescimento e desemprego baixo com gasto público, o que não é verdade.
Na visão do economista, para reconquistar a confiança em relação ao problema fiscal, o governo deveria sinalizar medidas estruturais, como uma reforma administrativa, mas há pouco caminho para isso.
Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda
O dólar deve seguir a trajetória de valorização vista em 2024 no próximo ano, pontua Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda. Segundo ele, mesmo diante das intervenções feitas pelo Banco Central nos últimos dias — desde o dia 12 de dezembro, já são US$ 27,76 bilhões injetados no mercado — a moeda não deverá descer do patamar visto neste fim de ano.
Para Nóbrega, o fato de as ações do BC não promoverem mudanças estruturais na direção do câmbio pode sinalizar o início de um ambiente de dominância fiscal — em que a questão das contas públicas domina as avaliações de risco do país e o BC perde a capacidade de manter a estabilidade da taxa de câmbio.
— E isso pode levar a uma perda de controle da inflação. Eu acho, portanto, que os sinais são preocupantes. Porque, nesse caso, a intervenção no câmbio significa jogar dinheiro fora — afirma.
O ex-ministro aponta que as medidas de ajustes de gastos apresentadas pelo governo federal em novembro não são suficientes para reverter a trajetória da moeda e que, para isso, será preciso que novos projetos sejam idealizados.
Na visão dele, existem duas medidas que deveriam ser tomadas para aliviar a questão fiscal: a desindexação do salário mínimo da aposentadoria e a desvinculação dos gastos com saúde e educação da receita com impostos. Hoje, existe um percentual mínimo dessa arrecadação que deve ser destinado a ambos os setores.
Ele declara não enxergar que o governo tenha tomado ações concretas para alterar a trajetória da dívida pública no país. Para o economista, isso pode levar a uma rápida elevação da relação entre dívida e PIB e resultar em consequências piores:
— Isso gera uma espiral que leva a um ciclo vicioso em que a situação piora porque o dólar se valoriza e isso leva a um aumento de endividamento e aumento da inflação. É necessário quebrar esse ciclo porque pode levar a consequências muito mais graves do que a gente está vendo agora. O governo está num modo de negação. Ele tem que passar para um modo de preocupação.
Roberto Padovani, economista-chefe do BV
O próximo ano deve começar com o dólar estável no patamar atual, mas com uma tendência de alta não linear que deve levar a moeda americana para até R$ 6,50 até o fim de 2025, segundo previsão de Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV.
Ele analisa que, além do cenário fiscal nacional, influenciam no quadro outros fatores. Padovani destaca que o patamar alto de juros poderia atenuar o câmbio, mas que isso não deve acontecer nos próximos meses por a moeda americana estar em alta globalmente, e não apenas no Brasil.
Além disso, diz, influencia um cenário internacional de aumento dos riscos, que deixa investidores mais cautelosos.
— Esse contexto de aversão a risco no mundo é ruim para os mercados emergentes. Há uma desaceleração na demanda no mercado europeu e asiático, e, nos Estados Unidos, há o chamado “Trump trade”, com a perspectiva de uma economia americana mais protecionista, com estímulos fiscais, aumento de tarifas (para importações) e cerco à imigração — cita. — O resultado é uma maior dificuldade de colocar a inflação americana no centro da meta, e o FED já reagiu falando que nesse cenário não há como cortar juros. O que deixa o dólar mais valorizado.
O economista traça como impactos do câmbio elevado a confiança de consumidores e empresários sobre a economia. A última atualização do Índice de Confiança do Consumidor (ICC) do FGV IBRE recuou 3,6 pontos em dezembro, para 92,0 pontos, menor nível desde junho.
Além disso, a moeda americana no patamar atual pressiona os custos das empresas e trava investimentos, como os da indústria na compra de máquinas e equipamentos:
— A economia brasileira é integrada às cadeias globais. O custo de matérias-primas, máquinas e equipamentos sobe. E como a nossa economia está aquecida, há um repasse ao consumidor, então há um impacto de alta de preços, o que contamina às expectativas de inflação.
Ele continua:
— O crédito para as empresas também fica mais caro, então imaginamos que, para o segundo semestre de 2025, setores que dependem de crédito, como o da construção civil e o de bens duráveis, os mais sensíveis, devem mostrar uma desaceleração, o que pode levar a um aumento de desemprego. Mas isso é um processo lento e gradual.