Falta de saneamento, saúde pública e o impacto da reforma tributária

Falta de saneamento, saúde pública e o impacto da reforma tributária

22 de agosto de 2024 0 Por redacao

Christianne Dias*

Em 2024, o Brasil voltou a ser a oitava economia do mundo. Enquanto o país reconquista posições entre os países de maior crescimento, temos ainda 32 milhões de pessoas sem água tratada e outros 90 milhões sem acesso ao esgotamento sanitário adequado.

A falta de saneamento afeta quem mais precisa dele para ter saúde e dignidade: 75% das pessoas que não estão conectadas à rede de água vivem com até um salário mínimo. Quem mais precisa de saneamento é quem menos tem acesso ao serviço. E o resultado disso é catastrófico para a saúde pública.

Um levantamento da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon Sindcon), com base nos dados do Sistema Único de Saúde (SUS), mostra que as doenças relacionadas à falta de saneamento foram responsáveis, nos últimos três anos, por cerca de 1 milhão de internações. A cada ano, temos 70 mil óbitos a partir dessas internações em todo o país.

Somadas as despesas com essas internações nos últimos três anos, temos um custo de R$ 2,2 bilhões. Assim, 3,6% das despesas com internações, realizadas no período, acabaram sendo relacionadas às internações por doenças decorrentes da falta de saneamento e 10,7% dos óbitos em internações foram causados por essas mesmas doenças. São números que não condizem com nosso potencial de desenvolvimento econômico e social, estatísticas que perduram e revelam o quanto ainda precisamos avançar para reduzir a igualdade social a partir do saneamento.

O protagonismo do Brasil nessa questão tem sido proclamado pelo próprio governo, que, perante representantes das grandes economias globais, reiterou, na última reunião do G20, no Rio de Janeiro, o desafio de se investir maciçamente no saneamento para alcançar a universalização no país, que sediará, no próximo ano, a Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP30), promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU). Há quatro anos, quando o novo marco legal do setor passou a vigorar, ganhávamos um instrumento imprescindível na busca de uma resposta ao descompasso entre a robustez da economia e a falta de saneamento. Com a Lei nº 14.026/20, passamos a ter perspectiva de universalização dos serviços de água e coleta e tratamento de esgoto até 2033.

As diretrizes estabelecidas pela lei estão surtindo efeitos positivos na corrida pela universalização. Desde que a lei entrou em vigor, ocorreram 45 leilões em 19 estados, abrangendo todas as regiões do país, com R$ 103,9 bilhões de investimentos contratados e outorgas. Ao todo, 32,4 milhões de pessoas foram beneficiadas em 597 municípios.

Em 2022, o investimento do setor atingiu R$ 22,46 bilhões ante R$ 18,3 bilhões do ano anterior. E a expectativa é de que 2023 tenha registrado novo aumento de investimentos (R$ 26,8 bilhões). No primeiro triênio passado, sob as regras do marco legal (2020/21/22), o investimento médio foi de R$ 19 bilhões, acima do registrado no triênio anterior (2017/18/19), quando houve investimento médio de R$ 16,7 bilhões.

Temos, entretanto, grandes desafios pela frente se quisermos atingir a meta de universalização nos próximos 10 anos. A Reforma Tributária, em aprovação no Congresso, é um desses desafios imediatos. O Legislativo, que soube conduzir a aprovação do marco legal de forma que o saneamento pudesse atrair os investimentos necessários, tem hoje a chance de confirmar essa atividade entre as prioridades nacionais.

Na análise da regulamentação da Reforma Tributária, o saneamento ainda não recebeu o mesmo tratamento da saúde. Dessa forma, o setor estará sujeito à alíquota integral padrão do novo IBS/CBS, hoje estimada em 26,5%. Considerando a tributação atual de 9,25%, essa brutal elevação do imposto significará um aumento médio de 18% nas contas de água de milhões de brasileiros. As empresas concessionárias precisarão recorrer a um processo complexo e moroso de revisão de tarifas a fim de garantir o equilíbrio dos contratos e o ritmo de investimentos para a universalização dos serviços.

Não ter o saneamento equiparado à saúde é um evidente contrassenso no cenário virtuoso atual, em que o marco legal do setor caminha para o amadurecimento e o desafio da universalização começa a ser vencido. Será um duro golpe para dezenas de milhões de famílias que ainda não têm acesso adequado à água, coleta e tratamento do esgoto. Interromper o progresso do setor prejudicará a saúde pública, a igualdade e o meio ambiente. O saneamento não pode esperar!

* Diretora executiva da Abcon Sindcon, associação das operadoras privadas de saneamento

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