Campos Neto e Fernando Haddad dão seus recados aos investidores
Por Camila Curado
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, buscaram dar vários recados ao mercado financeiro, ontem, em evento em São Paulo. O chefe do BC, inclusive, reforçou que o Comitê de Política Monetária (Copom) poderá aumentar os juros, “se for preciso”, mesmo quando ele não estiver mais no comando da instituição.
Haddad, por sua vez, minimizou os riscos fiscais e apontou o aumento dos gastos com despesas obrigatórias, como Bolsa Família, e as despesas emergenciais no socorro das vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul, como algumas das razões para a piora nas contas públicas neste ano. O novo arcabouço fiscal permite, neste ano, deficit primário zero nas contas do governo federal, ou saldo negativo de até R$ 29 bilhões (0,25% do Produto Interno Bruto). Contudo, apesar de o consenso do mercado ser de que as contas continuarão fechando no vermelho neste ano, o ministro disse que o rombo fiscal deste ano será menor do que o do ano passado (de cerca de R$ 260 bilhões).
“Nós estamos tirando o pé do fiscal. Neste ano, (o resultado das contas públicas) não tem como não ser muito melhor do que no ano passado. Aconteça o que acontecer, no ano que vem, vai ser melhor do que neste ano. Eu estou acompanhando os dados. Estamos tirando o estímulo fiscal de maneira organizada, sensata, sem prejudicar os pobres. Não vejo nenhum diagnóstico que aponte um erro grave na condução dessa questão”, afirmou Haddad, ontem, em palestra no evento Macro Day, organizado pelo banco BTG Pactual.
O ministro reconheceu a necessidade de uma reforma em programas sociais após ser questionado sobre a diferença significativa entre os valores previstos e os desembolsos efetivos no primeiro semestre com benefícios sociais, principalmente com o auxílio doença e seguro desemprego. Os principais problemas apontados por Haddad estão na falta de controle e de transparência nos critérios de elegibilidade para a distribuição desses recursos. Segundo ele, “correção de desigualdades perdem o efeito em programas mal-gerenciados”. Ele explicou que para esses recursos alcançarem o público-alvo das medidas, é preciso ter normas bem definidas e uma acompanhamento mensal da aplicação desses critérios. O ministro exemplificou ainda que os ajustes anunciados pelo governo, como os do Benefício de Prestação Continuada (BPC), surgem com a finalidade de corrigir distorções e combater fraudes. Ele enfatizou que não se tratam de cortes, mas sim de correções.
No evento na capital paulista, Campos Neto, reforçou o comunicado da ata da última reunião do Copom que deixou a porta aberta para aumento dos juros, em caso de necessidade e ainda destacou que as decisões da autoridade monetária continuarão sendo técnicas após a troca de comando, no fim deste ano. “O Banco Central vai subir os juros se for preciso, independente de eu estar ou não no BC”, disse Campos Neto. Atualmente, a taxa básica da economia (Selic) está em 10,50% ao ano e, conforme dados do boletim Focus, do BC, divulgado nesta semana, a mediana das projeções para os juros básicos em 2025 voltou para o patamar de dois dígitos, passando de 9%, na semana passada, para 10%, nesta semana.
O chefe da autoridade monetária reforçou a preocupação com a desancoragem das expectativas de inflação do mercado, que continuam acima da meta, de 3%, neste ano e nos próximos, com limite superior de 4,50%. Campos Neto reforçou que os diretores do BC que integram o Copom decidiram pela manutenção da Selic por unanimidade com o objetivo de reforçar a mensagem de que as decisões são técnicas, de forma que a meta sempre será perseguida. O posicionamento do órgão ajudou a derrubar parte do prêmio de risco que o mercado vinha exigindo nos títulos da dívida pública, porque havia uma percepção dos investidores de influência política no racha do Copom na reunião de maio, quando diretores indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva votaram pelo corte maior dos juros enquanto os cinco diretores que foram indicados pelo governo Jair Bolsonaro foram mais cautelosos e votaram para o corte de 0,25 ponto percentual, para os atuais 10,50%. Nas duas reuniões posteriores, o Copom manteve a taxa Selic no patamar atual.
Após pontuar que credibilidade não se conquista “de um dia para outro”, Campos Neto disse que a construção da confiança no trabalho do BC é um processo de longo prazo. “Não é sobre uma ou duas reuniões”, acrescentou.
O presidente do BC tentou minimizar as divergências entre membros do Copom e afirmou que tudo passa por um processo de “amadurecimento”. Ele ressaltou que, mesmo antes de a autonomia do BC ter sido aprovada, houve diversos momentos de divergências com diretores da autarquia que haviam sido indicados por ele próprio. E, com isso, reforçou que é necessário a convivência com essas diferenças.
Ao ser questionado sobre o fim do mandato dele no Banco Central, que termina dezembro deste ano, Campos Neto respondeu que espera que seu sucessor não seja julgado “pela cor da camisa que ele veste”. A declaração com viés político foi vista por especialistas como desnecessária, apesar de o presidente do BC ter sido bombardeado de críticas por ter ido votar em 2022 com a camisa da seleção brasileira.
À frente do BC desde março de 2019, Campos Neto entrou no comando do BC defendendo autoridade monetária com autonomia formal. No ano seguinte, a autonomia formal para o órgão foi alcançada por meio do Projeto de Lei Complementar (PLP) 19/2019 aprovado pelo Senado, que conferiu ao BC liberdade para executar atividades essenciais ao país sem sofrer pressões político-partidárias. O objetivo alegado era promover a previsibilidade econômica e controlar as expectativas da inflação.
Ao comentar sobre o crescimento do PIB brasileiro acima das expectativas do mercado, atualmente em 2,23%, pela mediana das projeções do boletim Focus, o ministro da Fazenda ainda afirmou que o Brasil tem condições para apresentar crescimento econômico acima da média mundial. Sob os argumentos de que “crescimento e o sucesso inspiram cuidados”, Haddad defendeu um crescimento sustentável e contínuo por meio da manutenção da qualidade do crescimento.
O chefe da equipe econômica ainda destacou a importância em cuidar da oferta de mão de obra qualificada e em pensar em medidas estruturais como a regulamentação da reforma tributária, que está em curso, e no plano de transformação ecológica, por exemplo. “Não existe solução para a economia brasileira que não passe pelo crescimento”, complementou.
Na avaliação de Haddad, não é preciso fazer grandes coisas para o país crescer. “Eu só vejo possibilidades para a gente explorar. Precisa distensionar um pouco na política, continuar esse trabalho de agregar, de adensar as pessoas que querem o bem do Brasil”, afirmou. Ele afirmou ainda que que o Brasil “está pronto para dar um salto”. “Essa é a minha convicção total: nós temos condições de dar um salto”, disse.
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Receba notícias no WhatsApp
Receba notícias no Telegram